Comportamento

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa: nada a comemorar

Neste dia 3 de Maio é comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O que há a ser festejado? Nada.

No ranking de países que menos liberdade possuem, da renomada entidade Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil caiu quatro pontos em relação ao ano anterior, foi para o fim da fila e entrou na zona vermelha, reservada aos países menos dispostos a lidar de forma harmônica com o jornalismo. Mais uma zona vermelha para a nossa conta.

Nunca os ataques de um governo à imprensa foram tão frontais como agora. Talvez somente durante a ditadura militar, mas nunca a imprensa tradicional foi tão questionada, nunca o jornalismo independente esteve tão marginalizado, nunca os jornalistas foram tão criminalizados e tratados com tanta agressividade.

Além disso, há ainda as censuras modernas, que costumo chamar de censuras com efeito inibidor. Utilizando-se de decisões liminares do judiciário, amputam textos jornalísticos, impedem que o profissional acesse documentos públicos, limitam a chegada da informação íntegra e integral ao leitor.

Não pense que acabou. Temos também as censuras privadas, formatadas por critérios pouco claros, e, muitas vezes, comerciais, que surgem personificadas nas políticas de cancelamento e nas relações entre as plataformas de big techs e seus usuários.

Em tese, as censuras privadas não têm relação direta com o universo da liberdade de imprensa, mas claro que sobre ela interferem, pois, se aceitamos a censura da sociedade civil contra ela própria, obviamente nos tornamos insensíveis à postura do Estado quando censura a imprensa. Onde a censura vira qualquer coisa, qualquer coisa vira censura.

Por fim, há ainda o discurso dos profissionais do Direito que, chamados a opinar como especialistas, não hesitam em insistentemente carimbar que a liberdade de imprensa existe, mas deve estar condicionada a alguma coisa: ou a uma finalidade nobre, ou a um exercício responsável, como se tal liberdade fosse uma concessão feita ao menino que se comporta bem, e não uma conquista inerente à própria existência da democracia. Uma conquista que deve ser protegida, pois a sua relativização é a relativização da própria democracia.

Os que deixam a casa dos pais, os que mudam radicalmente de profissão, os que enfrentam a saída de um lugar estreito para conquistar um lugar mais amplo sabem a diferença entre uma liberdade conquistada e uma concessão de liberdade. Uma é liberdade, a outra é só uma piada.

Não há nada a comemorar. O Brasil precisa, na verdade, é de uma data para tomar para si a conquista da liberdade de imprensa, antes que alguém o faça.

*André Marsiglia Santos é advogado constitucionalista especializado em liberdades de expressão e de imprensa. Membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Idealizador da L+: Speech and Press e sócio do Lourival J Santos Advogados

Fonte: Estadão

Redação

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