Além das feridas: a importância de acolher animais vítimas de violência
Maus-tratos contra os animais deixam marcas profundas, tanto físicas quanto emocionais. Conscientizar, resgatar, acolher e cuidar é essencial para romper esse ciclo de violência na vida de milhares de pets..
No Brasil, praticar ações de maus-tratos contra animais, silvestres e domésticos, é crime. Ao contrário do que muitos pensam, as malvadezas não se restringem apenas à agressão física. De acordo com o Conselho Federal de Medicina Veterinária, são considerado maus-tratos “qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que, intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência, provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais”. Situações como deixar o animal sem comida, água ou abrigo adequado, mantê-lo preso ou acorrentado por longos períodos e não fornecer cuidados veterinários quando necessário são exemplos de sofrimentos.
A campanha Abril Laranja, criada em 2006 pela Sociedade Americana para Prevenção da Crueldade a Animais, busca conscientizar e dar visibilidade à prevenção contra a crueldade animal. Segundo dados da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), os casos de violência contra animais aumentaram significativamente nos últimos anos. De 2019 a março de 2024, foram registrados mais de 2 mil episódios. Em 2019, as 230 ocorrências de maus-tratos pularam para 524 no ano de 2023 — um alerta para o cenário atual.
A comunicadora Porllanne Silva resgatou sua pet, a vira-lata Cruella, no caminho de volta para casa. “Os faróis do carro refletirem em dois olhinhos na estrada, parei o veículo, descemos e ela correu diretamente para nossos pés. Ela estava muito machucada, tremendo e molhada, numa situação gritante de maus-tratos. Era impossível não levá-la”, conta.
Segundo a tutora, Cruella estava com a pele ferida e com muito medo de tudo: gestos, vozes, até brinquedos faziam ela correr para se esconder. E alguns traumas e inseguranças permanecem até os dias de hoje. “Ela ainda fica muito nervosa quando percebe fumaça no ambiente, late desesperadamente e se esconde. Para acalmá-la, deixo que se esconda em meu quarto, embaixo da cama, que é onde, geralmente, ela se sente mais segura. Se a ocasião permitir, a levo para passear, longe da fumaça.”
Psicológico abalado
Para a médica veterinária Hérica Letícia, os animais vítimas de maus-tratos precisam de uma reabilitação que não envolva apenas cuidados físicos, mas também os emocionais e comportamentais. “É necessário uma avaliação clínica completa, para identificar ferimentos, doenças ou desnutrição e indicar o melhor tratamento médico. Alimentação adequada e suplementação, caso o animal esteja desnutrido; castração, quando possível, para prevenir doenças e abandono; e o acompanhamento comportamental, com ajuda de veterinários ou adestradores especializados”, detalha.
Nesses casos, a reabilitação pode ser longa e desafiadora, principalmente em casos de traumas emocionais, e exige paciência. “A recuperação física, às vezes, é rápida, mas a confiança nos humanos pode demorar muito mais para ser restaurada. Vai depender do histórico do animal e do ambiente em que ele é acolhido.”

Esperança
A atuação de abrigos e das Organizações Não Governamentais (ONGs) salva a vida de muitos animais todos os dias. Eles são responsáveis por resgatar e proporcionar melhores condições de vida para esses bichinhos, com cuidados e muito amor. A ONG Patinhas do Lago Oeste surgiu com esse propósito: garantir a dignidade animal.
O resgate, o cuidado, a procura por lares seguros e a divulgação da causa são os principais pilares para salvar esses animais em situação de vulnerabilidade. “Os casos mais comuns são animais abandonados na beira da estrada, próximo a lixeiras, sem comida ou água, expostos ao sol e à chuva. No caso de adultos muito maltratados, eles não confiam mais nos humanos”, compartilha Mildred Alves, presidente e responsável pelo Patinhas do Lago Oeste.
Segundo ele, as pessoas precisam, ao menos, tentar prestar os primeiros socorros aos bichinhos. Quando resgatados, esses animais passam por uma avaliação médica, e nenhum deles é liberado para eventos de adoção antes de serem vacinados.
Infelizmente, as ONGs, os abrigos e os protetores estão lotados, e, com isso, a ajuda é fundamental. Divulgar os responsáveis e envolvidos, ajuda financeira, com ração ou medicamentos, e, principalmente, com a adoção, garantindo um lar digno para esses bichinhos, são ações necessárias.

Legislação e denúncias
No Brasil, a Lei nº 9.605/98 de Crimes Ambientais assegura uma pena de reclusão de 3 meses a 1 ano, além de multa, em caso de dor, sofrimento ou privação ao animal. Com uma atualização e reforço, a Lei nº 14.064/2020 aumenta essa pena contra cães e gatos para detenção de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda.
O Distrito Federal foi pioneiro na criação de uma delegacia própria para proteger a integridade dos animais e combater crimes de maus-tratos. A Delegacia de Repressão aos Crimes contra os Animais (DRCA) foi criada pela Polícia Civil do DF (PCDF), juntamente com o Governo do Distrito Federal (GDF), em agosto de 2023.
O primeiro passo é a denúncia. A população pode denunciar casos de abandono e maus-tratos por meio do site ou do telefone da Ouvidoria do GDF, 162, e diretamente à PCDF, na delegacia ou pelo telefone 167.
Sinais de alerta
De acordo com a veterinária Hérica Letícia, os sinais emocionais e comportamentais de maus-tratos costumam se manifestar de maneira intensa, como uma forma de o animal comunicar que algo está errado. Os principais são:
Manifestações emocionais:
— Medo constante, principalmente de pessoas, barulhos ou objetos associados à violência (como vassouras, correntes etc.).
— Ansiedade e estresse excessivos, que podem levar a comportamentos compulsivos.
— Tristeza ou apatia, com perda de interesse por brincadeiras, passeios ou até comida.
— Desconfiança, com dificuldade de formar vínculos ou aceitar carinho, mesmo em ambientes seguros.
— Manifestações comportamentais:
— Agressividade defensiva, mesmo sem provocação — o animal pode atacar por medo.
— Fuga ou tentativas de esconder-se, especialmente quando há movimentos bruscos ou vozes altas.
Isolamento social, evitando contato com humanos ou outros animais.
— Comportamentos repetitivos (como andar em círculos, lamber compulsivamente, morder o próprio corpo).
— Latidos ou miados excessivos, como forma de expressar insegurança ou angústia.
SOBRE O ABRIL LARANJA
Abril Laranja. Trata-se de uma iniciativa criada pela Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade a Animais (ASPCA). Interessante, não é mesmo?
Organizado por órgãos públicos, esse mês é totalmente dedicado a prevenir maus-tratos e conscientizar a população de que os animais precisam de carinho e amor. E não estamos falando somente de cães e gatos, mas de todas as espécies, como cavalos, lagartos, hamsters, coelhos, entre outros.
Apesar de não conseguirem se comunicar com palavras, isso não significa que eles não precisam de cuidado. Além disso, assim como nós, humanos, os animais também necessitam de paciência. Afinal, a violência não resolve nada, só os machuca. Trata-se da capacidade de ter empatia — sentimentos, emoções, entendimento — por aqueles ao seu redor.
Dessa forma, quando falamos sobre os animais, esse é um conceito usado para avaliar e mensurar a qualidade de vida dos nossos pets, incluindo a sua saúde e felicidade — requisitos muito importantes. Ou seja, dados essenciais para entender os efeitos do Abril Laranja. Veja o artigo completo aqui!

(A matéria é do Correio Braziliense.)